Carro de Passageiros da Fábrica Nacional de Vagões. Empresa vendo a estagnação do setor ferroviário, diversificou os negócios: rodas e chassis para ônibus e caminhões, rolos compressores para asfalto, usinas, guindastes, escavadeiras, tratores, implementos marítimos para a exploração de petróleo entre outros negócios fizeram da FNV uma das principais fábricas brasileiras
Quando alguém fala em indústrias nacionais do setor ferroviário que atuaram neste segmento logo vêm à cabeça nomes como Mafersa e Cobrasma.Estas empresas, nos anos de 1980, quando o mercado de ônibus se aquecia pe o setor ferroviário enfrentava sua maior estagnação, para terem sobrevida decidiram participar do lucrativo ramo de transportes coletivos sobre pneus. Aliás, entre os anos de 1980 e 1990, o que não faltou foi o surgimento de encarroçadoras no País: Engerauto, MOV, Jotave. Algumas empresas vinham também do setor de produção de implementos rodoviários para carga.
Apesar da inflação dos anos de 1980 e início dos anos de 1990, que corroeu os ganhos das empresas de ônibus, com aumento de custos, política tarifária de aumentos contidos e evasão de passageiros, o setor de transporte coletivo urbano e rodoviário ia melhor que outros segmentos.
Além disso, foi nesta época que algumas cidades começaram a reformular seus sistemas de transportes em especial as administradas pelo PT – Partido dos Trabalhadores, que tendiam para a “municipalização”. O poder público tinha uma maior interferência sobre o sistema, mas não controle total, por isso o termo municipalização é equivocado, e as empresas de ônibus eram obrigadas, para serem contratadas, a trocar e renovar as frotas de ônibus.
O momento era bom para os ônibus.
A Mafersa e a Cobrasma colocaram no mercado produtos de referência. Mesclavam a tecnologia ferroviária que tinham com as necessidades da operação urbana e rodoviária.
Os produtos eram bons. Bons até demais e considerados caros. Não tiveram o mesmo percentual do mercado que os ônibus das encarroçadoras tradicionais.
Eram produtos bons, mas não perfeitos. Trincas e partes de maior oxidação foram apontados pelos fortistas.
Quem pensou em Mafersa e Cobrasma como ferroviárias que entraram no setor de ônibus não está errado.
Mas há exemplos bem anteriores.
Um dos mais antigos é o da FNV – Fábrica Nacional de Vagões.
A FNV foi uma empresa estatal, criada pelo Governo Federal de Getúlio Dorneles Vargas, em 1943.
O objetivo era fortalecer a indústria nacional e a ferrovia no Brasil com capital e mão de obra brasileiros.
Inicialmente, fabricava vagões de carga de madeira.
Para se ter uma ideia, em 1943, o Brasil contava com 44 estradas de ferro e 46.863 vagões.
A criação da Fábrica Nacional de Vagões não foi apenas governamental. Estiveram à frente da composição inicial da FNV os empresários Roberto Simonsen Filho, José Burlamaqui de Andrade e Othon Alves Barcellos Correa. A inauguração oficial foi em 22 de outubro de 1943. A FNV é considerada a primeira indústria nacional do segmento ferroviário.
A empresa foi instalada nas antigas oficinas da Pullman Stanrd Car Co, no Rio de Janeiro, a 20 minutos da Estrada de Ferro Central do Brasil. O local começou a ser conhecido como “Oficinas de Doedoro”.
Vale ressaltar que a Fábrica Nacional de Vagões, num contexto internacional, foi criada também como reflexo da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945).
A maior parte das ferrovias no Brasil importava os vagões principalmente dos Estados Unidos que concentravam todos os seus esforços industriais para a Guerra e não atendiam à demanda brasileira.
O Brasil tinha de se virar para construir vagões. E a Fábrica Nacional de Vagões veio para dar esta resposta.
Inicialmente, os produtos eram de madeira, já que não havia abundância de chapas.
No Brasil, a fundição em escala praticamente inexistia. As longarinas, cantoneiras e outras peças de ferro que compunham um vagão eram importadas dos Estados Unidos. Existia nos anos de 1940 apenas uma empresa de fundição de grande porte no Brasil, a Sofunge que fazia rodas de ferro fundido coquihado.
Dois anos depois de sua fundação, a Fábrica Nacional de Vagões se mudou para o município de Cruzeiro, no interior de São Paulo, ocupando as oficinas da Rede de Viação Sul Mineira, que tinham deixado o local em 1936 para ocuparem novas instalações em Minas Gerais.
As oficinas de Deodoro, no Rio de Janeiro, continuaram a operar como apoio até os anos de 1960.
Logo no início de suas operações, a Fábrica Nacional de Vagões Percebeu que a demanda era grande para implementos ferroviários e que não havia oferta nacional para esta demanda.
Um dos primeiros clientes foi o DNEF – Departamento Nacional de Estradas de Ferro que encomendou 80 vagões mistos fechados de 30 toneladas.
As encomendas não paravam.
Em 1946, era a vez da Estrada de Ferro Sorocabana ter os produtos da FNV e em 1947, a empresa fez vagões tanques para a Standard Oil Company.
No ano de 1948, a empresa começou a fazer os primeiros vagões com estrutura metálica.
No ano seguinte, era a vez de os carros (vagões) serem feitos de aço. Neste mesmo ano, em 1949, a Fábrica Nacional de Vagões entrava para um setor que crescia: o de ônibus. As estradas se expandiam assim cimo a população. As linhas de trem não chegavam a todas as ocupações urbanas que com o crescimento populacional e da especulação imobiliária se afastavam mais das linhas férreas e estações. Nem havia condições, mesmo se existisse um programa de investimento ferroviário. Em alguns lugares, por conta do difícil acesso e de condições geográficas irregulares, só veículos flexíveis poderiam servir à população, no caso os ônibus. No anúncio deste ano, a Fábrica Nacional de Vagões mostrava que sua carroceria não devia nada aos modelos de ônibus estrangeiros. Isso porque, em 1949, a indústria de ônibus no Brasil era quase inexistente também. Havia a encarroçadora Irmãos Grassi, que apesar de ter feito o primeiro ônibus de sua história em 1910 para a Hospedaria dos Imigrantes, começou a produzir em escala em 1923. As grandes fabricantes de carroceria de hoje estavam ainda em formação: a Marcopolo (Nicola) foi fundada em 6 de agosto de 1949, a CAIO começou a operar em 19 de dezembro de 1945 e Busscar (Nielson) foi fundada em 17 de setembro de 1946, mas só construiu o primeiro ônibus em 1949. O mercado de carrocerias de ônibus era formado por estas recém criadas empresas e por incontáveis oficinas artesanais que encarroçavam estruturas de madeira para passageiros em chassis de caminhões. As empresas de ônibus maiores e que queriam oferecer um serviço mais qualificado ao passageiro tinham de importar veículos, em especial da Inglaterra e dos Estados Unidos. Por isso que no anúncio que abre esta matéria, a Fábrica Nacional de Vagões enfatizava a qualidade do produto nacional com o seguinte texto:
“FÁBRICA NACIONAL DE VAGÕES S/A. Capital Social: Cr$: 50.000.000,00 Sede: Rua 24 de maio, 250 – 14º andar – Telefone: 4-4186 Oficinas: CRUZEIRO – ESTADO DE SÃO PAULO MARECHAL HERMES – DISTIRTO FEDERAL
A Fábrica Nacional de Vagões S.A. constrói o ônibus cem por cento brasileiro que compete em qualidade e segurança com os similares estrangeiros. 2.674 vagões construídos FÁBRICA NACIONAL DE VAGÕES S.A”
Os ônibus da Fábrica Nacional de Vagões não chegaram a liderar o mercado, mas tiveram presença nas cidades do Sudeste em algumas frotas. À época se dizia que a qualidade era boa, os ônibus, apesar de “quadradões” como os vagões eram resistentes, mas ironicamente como os ônibus da Mafersa e da Cobrasma nos anos de 1980 e 1990, caros para os padrões do mercado de ônibus. Muitos acreditam que seja uma questão cultural da indústria ferroviária: fazer produtos de qualidade para durarem. Afinal, as condições de operação dos trens, em sua maioria, são bem melhores que dos ônibus: as linhas são fixas, as inclinações não são tão acentuadas e não há buracos ou desníveis significativos. Já o ônibus era diferente. Ainda mais naquela época, porém nos dias de hoje também, os veículos enfrentam buracos, ruas de terra, atoleiros, subidas, descidas íngremes, pára e anda constantes, riscos de colisão. Assim, desde o início, os donos de ônibus eram conscientes de que era necessário ter um produto de boa qualidade, mas que pelas condições de uso se desgastaria logo. Assim, a vida útil fatalmente seria menor. O preço então não poderia ser muito alto e a manutenção mais fácil e barata.
No final dos anos de 1950, com o governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitscheck, a prioridade de investimentos foi dada à indústria automobilística e conseqüentemente à expansão de rodovias.
A Fábrica Nacional de Vagões não se furtou à nova realidade e aproveitou o momento. Em 1954 lançou os rolos compressores Huber para a pavimentação de rodovias e avenidas.
A Fábrica Nacional de Vagões foi uma das primeiras indústrias a serem homologadas pelo GEIA – Grupo Executivo da Indústria Automobilística a produzir rodas para caminhões e ônibus.
O material começou a ser feito no segundo semestre de 1958.
Em 1959, sob licença da Barber Greene do Brasil, a FNV começa a investir em usinas e caldeiras para a fabricação de asfalto.
Mesmo assim, o ramo ferroviário não foi deixado de lado.
De vagões para carga, nos anos de 1960, a FNV partia para a construção de carros de passageiros para trens, do tipo convencional, carro correio, carro restaurante, carros de luxo entre outros.
Estruturas para pontes, silos para cereais, reservatórios de combustíveis, estruturas pré fabricadas para construções civis também faziam parte dos negócios.
Nos anos de 1960, a FNV entra para a história dos ônibus, ao fabricar 90% dos aros de rodas para caminhões e veículos de transportes coletivos (basicamente os chassis de caminhões eram usados para serem encarroçados por ônibus);
Em 1965, a FNV se destacava também no setor de maquinário. Eram produzidos tratores de esteira Bucyrus e retroescavadeiras.
Em 1970, a Fábrica Nacional de Vagões entra para o ramo de fundição.
E isso aproxima mais ainda a empresa da história dos ônibus.
De início, suas prensas atendiam a própria demanda para escavadeiras e guindastes. Eram duas prensas de 3 mil toneladas cada, consideradas as maiores da América Latina.
Em 1972, a Fábrica Nacional de Vagões importou dos Estados Unidos a prensa Clearing, de 5200 toneladas, para fundir longarinas de chassis de caminhões pesados e ônibus.
No ano de 1973, enquanto o Metrô no Brasil era um projeto que estava nascendo, a Fábrica Nacional de Vagões, num contrato firmado com a ROHR, forneceu 300 chassis para o Metrô de Washington.
Os anos de 1970 seguiram com novidades e tecnologias para o setor de vagões e carros ferroviários, com a inauguração da Viaturas FNV Fruehauf, em Pindaminhangaba, e com o fornecimento pela empresa de equipamentos para plataformas marítimas para a exploração de Petróleo.
Depois de vários negócios, em 1983 a FNV – Fábrica Nacional de Vagões foi adquirida pela Engesa – Engenheiros Especializados S.A.
Nesta época, a empresa aprimorou os processos de produção, sendo capas de fazer materiais mais leves e resistentes.
No ano de 1990, a FNV foi adquira pelo grupo brasileiro Iochpe, do empresário Ivoncy Iochpe.
A compra ocorreu no período de abandono da indústria ferroviária no Brasil, em suas maiores crises. Poderia ser loucura de Iochpe. Mas a empresa estava estruturada no ramo de fundições.
As linhas de produtos ferroviários não foram paradas na empresa, mas o setor de autopeças era a grande fonte de recursos, principalmente a voltada para ônibus e caminhões.
Em 1994 fazia longarinas para os chassis da S 10 e Blazer, da GM, para o F 1000 e F 4000 da Ford e para a linha de ônibus e caminhões da Mercedes Benz.
Com o início das atividades da Volkswagen em Resende, no Rio de Janeiro, para a produção de ônibus e caminhões da marca alemã, foi implantado no local o conceito de produção modular. Para facilitar a fabricação dos veículos e diminuir custos com estoque e transportes, as principais fabricantes dos componentes dos ônibus e caminhões faziam parte do parque fabril da Volkswagen.
A Iochpe, ex FNV – Fábrica Nacional de Vagões, junto com a Borlem conquistou o direito de operar dois dos sete módulos que foram colocados à disposição de interessados em concorrência internacional.
A empresa fornecia peças para os chassis e conjuntos de rodas e pneus.
A FNV também exportava rodas para caminhões e ônibus. Os maiores clientes internacionais eram Maitenance e Mack Trucks, dos Estados Unidos. No México, a principal cliente era a DINA, principal fornecedora de ônibus e caminhões local.
No ano 2000 foi criada uma joint venture entre a Iochpe Maxion e a norte americana Asmed Maxion.
Os negócios cresceram. Em 2001, com a entrada no mercado da Maxion Componentes Estruturais, o grupo começou a fazer peças estampadas para automóveis. Um dos desataques foram os componentes da carroceria do carro Toyota Corolla.
No mesmo ano, o grupo forneceu peças para a Caterpillar nos Estados Unidos e Gianetti da Itália, quando a Borlem do Brasil S.A. transferiu sua produção de rodas de máquinas agrícolas e veículos fora de estrada para a Maxion.
Todo este império começou da necessidade brasileira pelos transportes. Inicialmente de cargas, de passageiros nos trilhos e passageiros nos ônibus, o que mostra a importância do setor e como é pela história dos transportes que verdadeiros orgulhos brasileiros são constituídos, como a FNV – Fábrica Nacional de Vagões.
Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes.
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